quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Papalagui, Tuiavii de Tiavea | 10/2005

Pela altura do cinema mudo “O mesmo se dá com as imagens com as imagens que se vêem na parede. Abem a boca, temos a certeza que estão a falar, e no entanto não se ouve (…)”, um chefe índio de uma tribo da Polinésia, Tuiavii, vem visitar o continente europeu. Com o seu nível de conhecimento empírico, observa, questiona e crítica cada hábito europeu, apercebendo-se com grande facilidade das características fulcrais, originárias dos nossos grandes problemas. O maior de todos os problemas foi o facto de o europeu ter querido ser cada vez maior, a sua ambição desmedida foi crescendo mais e mais, em proporção com aquilo que foi obtendo. Agora, num presente imediato, é impossível voltar atrás. O Europeu já não sabe viver em harmonia.

Inventou o desprezo, o ódio, o receio, o desdém, estimulou o individualismo, a obsessão pelos bens materiais, a qual gera todo um objectivo de vida. O outro desapareceu, deixamos de saber apreciar o sol, a nossa relação com a sociedade, a cooperação, tudo o que construímos. Porque os dias são curtos demais para quem tem que ganhar “metal redondo e papel duro”. Tudo é demasiado pouco para quem tem tudo e quer mais porque o muito não é suficiente.

A primeira questão que Tuiavii coloca é o porquê de cobrir as carnes com panos tão incómodos e que não propiciam o movimento. Não percebe porque vivemos tão encaixotados em cima das coisas, que nos sufocam e absorvem o oxigénio. Não compreende porque uns têm muitas “cabanas” grandes e outros vivem na rua sem tecto para morar. Não percebe porque é que aqueles que trabalham são desprezados e os outros que não fazem nada são respeitados. É também incompreensível para Tuiavii porque uns e outros se odeiam tanto. Apercebe-se que a culpa é do metal redondo e do papel forte que cria diferenças entre os Papalaguis. O dinheiro é o Deus do Homem branco. É devido ao dinheiro que o Papalagui nunca tem tempo. O europeu tem também a mania de arranjar profissões para todas as acções que teria de realizar diariamente. De maneira que o trabalho em vez de ser dividido é seccionado e realizado sempre da mesma forma, numa atitude individual, o que só torna o homem Branco ainda mais cinzento. Tuiavii descobre a função do cinema, a de dar uma ilusão de realidade. Aí, o Papalagui revê-se nas personagens e chora, ri, sonha, já que no dia a dia não tem tempo de ter sentimentos, de experimentar emoções. Os dias são tão cinzentos, a realidade é uma desilusão, que prefere não a ver. O cinema dessa altura seria uma reminiscência das telenovelas nos dias de hoje. As pessoas ficam de olhos fixos no ecrã, com o cérebro parado, à espera que aconteça alguma coisa nas suas vidas que mude a situação política, económica e social actual, enquanto elas experimentam uma vida fictícia, num tempo irreal. É compreensível. O telejornal é incomodativo, a esperança de mudança desmorona-se de notícia para notícia. O Papalagui precisa de sossego interior, de sol e de não pensar na vida como os índios, que vivem ao sabor da música. Mas nada o satisfaz.

O Homem Branco prega o Amor, o respeito pelos outros, a partilha, mas faz tudo ao contrário, rouba, odeia, rivaliza com os outros, despreza-os. E os”representantes de Deus” são Papalaguis iguais a todos os outros, corrompidos pelo seu próprio veneno, pela ambição que contamina os genes das gerações vindouras.

Tuiavii faz-nos ver o quão ridículos nós somos por queremos mais do que um bocadinho de sol e companheirismo, por nos termos perdido e não haver caminho de retorno.


Bárbara Veiga

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