quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A Cadeira da Verdade, Ramada curto | 11/2005


Esta obra é, uma vez mais, uma crítica à sociedade portuguesa, e neste caso específico, à alta burguesia. Tal como Ramada Curto a intitula, “uma comédia de costumes, – de maus costumes”. Tal como o autor afirma, “ Os preceitos salutares que disciplinavam a ferocidade instintiva da besta humana (…) hoje a maior parte das pessoas não acredita nelas senão a fingir”. É bem verdade. “A crença religiosa, a moral, a disciplina, o receio da opinião, as noções de pudor” tornaram-se casacos de peles que se vestem no convívio com os outros, assim como um “trapo” ou o “rouge” que estereotipa expressões e dissimula estados de alma. O melhor exemplo do vestir uma personalidade construída para apresentar em público é a personagem Candinha, “Volto a ser menina… Que maçada! Não tenho paciência… Safo-me para o jardim para acalmar… Vou colhêr flores que é poético e próprio de uma menina.”. Ramada Curta pretende denunciar a sociedade tal como ela é porque segundo diz “ que assuntos pode em Portugal escolher quem gosta de escrever?”. Coloca também uma questão interessante que me tento também em transcrever “ Os «pequenos» são muito mais que os outros. E as coisas verdadeiramente belas, ou grandes, ou simplesmente interessantes, toda a gente, grandes e pequenos, as entendem”.

O problema fulcral da obra é questionar-nos até que ponto a verdade será conveniente às relações sociais. Mas por outro lado, o que nos pretende mostrar é que somos todos hipócritas, uns por mesquinhice, Candinha, Maria José, Júlia, Sequeira, D. Fernando, outros por receio de mostrar ideias diferentes das estipuladas pela sociedade, Padre Sá. Ao longo da história, o que vai adquirindo maior destaque é o denuncio do carácter de cada uma das personagens que culmina com a queda do pano de cada uma delas. D. Joana, uma mulher apaixonada, enganada, que põe o segundo marido mais novo num pedestal e que vive em função deste, “Faz tudo para que eu acredite… Se tu soubesses o que tu és para mim e como era a verdade que eu pressinto, que adivinho. Júlia e Maria José representam uma amizade por conveniência mas não se suportam e invejam-se mutuamente, “Até dá gosto ver, de amigas que são, não dá?”. Candinha, uma debutante que se mascara de inocente e infantil, por conveniência, “(Sarcástica) Ai, que apetite de criança”. Carlotinha, personagem incómoda à sociedade. Diz tudo o que pensa, denuncia com ironia o carácter das personagens. Contudo, as verdades incomodam e não gosta de as ouvir se estão relacionadas consigo mesma, “Carlotinha é uma velha azeda, maledicente, que cultiva a antipatia só para incomodar o semelhante”. Sequeira e D. Fernando são dois homens hipócritas que fingem amar D. Joana e Candinha, respectivamente, por causa do seu dinheiro. Eduardo e Aníbal são os personagens que procuram a verdade. O primeiro com receio e o segundo com a certeza de que a mentira é que convém aos homens. Eduardo é educado, considerado um génio. Diz Aníbal, relativamente ao amigo, “ Se tu não fosses rico podias vir a fazer grandes coisas”. Pois é. A conveniência e o bem-estar social leva-nos à “política dos favorecimentos”, que é contrária às “grandes coisas” que não convêm à sociedade. O Padre Sá, “é boa pessoa”, um homem que teme a sua voz interior por ser contrária ao regime instituído.


No fundo, tudo é uma farsa e as personagens vivem casamentos farsantes e as relações entre todos é a farsa maior. Mas no fim, a hipótese formulada no inicio da experiência confirma-se, “A verdade é um explosivo. No dia em que se introduzisse entre os homens, a Verdade Absoluta, o mundo fazia-se em cacos, a sociedade rebentava.”. A verdade é essa. Nós precisamos da mentira para nos relacionarmos uns com os outros porque senão nunca nos conseguiríamos tolerar.


Bárbara Veiga

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