quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Loucura, Mário de Sá Carneiro | 10/2005

Considero a “Loucura” uma obra de leitura obrigatória por ser um marco histórico de uma fase literária. Foi um livro que me puxou à leitura desenfreada pelo facto de ser controverso ao meu pensamento nesta fase do percurso. Talvez por já ter pensado assim, talvez por de momento julgar que a vida deve ser vivida numa luta diária pela busca da concretização dos nossos ideais, pela procura de nos aperfeiçoarmos intelectualmente cada dia mais. E uma vida não chega. Mas a solução não é cruzar os braços e acomodarmo-nos ao destino por não o conseguirmos mudar, nem acabar com a vida, mas procurar fazer o máximo que conseguirmos, apesar de, frequentemente, vários aspectos de funcionamento da sociedade nos desiludirem e nos incitarem a desistir de pensar.

A personagem principal desta obra tida, em certa parte, como um herói social, que se matou por desespero porque era diferente, porque era contra tudo, não era mais do que um dandy, «Rico, não fizera da sua arte um ramo de comércio», entrou no circulo fechado do Salon de 1904, o que só prova que sabia também gerir as suas influencias, de um «egoísmo atroz», prepotente, que se julgava dono da razão, egocêntrico, os seus grandes problemas introspectivos estavam apenas ligados com a sua pessoa que era o centro do universo, pensava-se diferente mas era, na verdade, igual a todos os «loucos» da sua geração, tal como Sá Carneiro. Esta personagem, Raul, é um intelectual, no verdadeiro sentido que eu atribuo a esta palavra. Pensa, fala, mas nada faz para mudar o que o rodeia. Ao contrário de Almada Negreiros que viveu até aos setenta e três anos para ser incómodo á sociedade, e aperfeiçoou-se, durante esse tempo, em diversas áreas artísticas, afirmando, por oposição, “Eu sou o resultado consciente da minha própria experiência”e, afirma também ainda, agora relativamente ao conhecimento “Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve haver certamente outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estarei perdido.".

Se por um lado, esta obra literária trata os problemas da desadequação de certos indivíduos face a uma sociedade fútil e a critica, levantando questões relativamente às regras sociais, ao Matrimónio, “No entanto, o acaso fizera com que Raul encontrasse e amasse alguém que não lhe poderia pertencer senão por meio deste contracto.”, à Lua-de-Mel, “A moda exige a viagem de núpcias”, à posição do governo português face à Arte que não quis dar setenta contos pelo “Álcool”, “essa maravilha de arte nacional”, ficando na mão de um “milionário americano, rei de qualquer coisa”. Denuncia-nos como animais reprimidos por um sistema de leis auto-infligidas, “eternos preconceitos da educação totalmente errada”, “comedidos no prazer, reservados na loucura”, à ideia de que o trabalho e o lazer são a cura para todos «os males da cabeça», “Expulsa esses pensamentos alucinantes… Distrai-te, trabalha… Ama a tua linda mulher”, aos «tachos», neste caso relativamente a Luísa Vaz, uma “actrizita”, “mexera os cordelinhos o apaixonado crítico de certa gazeta política”. Levanta o problema do Ser, “Saber quem uma pessoa é, é conhecer a sua alma, penetrar nos seus pensamentos”.

Por outro lado, Raul tinha tempo para pensar porque era um privilegiado, “Rico, não fizera da sua arte um ramo de comércio”. Como diz a voz do povo, “Só os ricos têm tempo para depressões”. Condenava a felicidade porque encarava-a como o contrário de inconstância, de questionamento constante, sinónimo de conformismo. Contudo essa serenidade de espírito que é a felicidade pode-se dever à perseguição de objectivos, de metas, querer que as coisas mudem, querer mudar o mundo, atingir alguns desses objectivos. Ser uma consequência da obtenção de alguns resultados, dando uma sensação de plenitude e serenidade. Quem tudo critica mas nada faz para mudar o incorrecto é natural que se torne obsessivo, depressivo e egoísta, “Se eu me queria suicidar com ele nessa noite, morrer feliz nos seus braços”. Entra em circuitos fechados, apesar de condenar as normas sociais, Salon de 1904. É muito versátil nos seus ideais. Nega tudo. Teatro, “Passar umas poucas horas a ouvir as baboseiras de uns figurões de cara pintada que nos pretendem impingir como pedaços de vida real, excede as minhas forças”, literatura, amor. Torna-se escultor, vai ao teatro “Raul como toda a gente (…) abraçou-me nos intervalos, falou com os seus conhecidos.”, Apaixona-se e leva o Amor à obsessão. Lê uns versos de Cesário Verde. O suícidio era moda na sua época entre intelectuais, quis saber pormenores do suícidio de Patrício Cruz, “ Descobrira-se com efeito – nunca se apurou como – que a sua operação não passara duma comédia”. Inevitavelmente burguês, “tomou-se o chá e as torradas”. Para Raul Vilar a velhice era a podridão “Amanhã… Terrível! Seremos velhos… A carne amolecida já não desejará a carne”. Contudo, defende que Amar é amar uma alma e Ser é alma e pensamentos, “ Ninguém te quererá… mas eu quero-te”. Realmente a velhice é o prenúncio de o fim de uma vida mas também a época áurea do conhecimento, o testemunho de um percurso de saber incansável. E quando morrermos o que fica é o que transmitimos aos outros e uma parcela daquilo com que contribuímos para mudar a sociedade. Daí discordar da afirmação, “Eu vivo. Nunca fiz vida. Fui mais sensato, gozei apenas…”.

Em suma, “Loucura? Mas afinal o que vem a ser a loucura?... Um enigma… Por isso mesmo é que às pessoas enigmáticas, incompreensíveis, se dá o nome de loucos.”. E a personagem, Raul vilar, “Será apenas um original que se deseja salientar, que faz gala nas suas originalidades, ou será um louco?”. Será de “um egoísmo atroz” porque “os doidos são irresponsáveis”?


Bárbara Veiga

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