quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

A Biblioteca, Humberto Eco | 12/2005

Este livro é uma crítica às bibliotecas, que partiu de uma conferência dada no dia 10 de Março de 1981, data de comemoração dos vinte cinco anos de actividade da Biblioteca Municipal de Milão. O livro fala das condições que uma biblioteca devia ter para convidar o leitor, já que «A principal função da biblioteca, (…) é de descobrir livros de cuja existência não se suspeitava e que, todavia, se revelam extremamente importante para nós.». Mas para tal «é preciso decidir se queremos proteger os livros ou dá-los a ler» e «Se o ideal é fazer com que o livro seja lido, há que tentar protegê-lo o mais possível». Com ironia, Eco estabelece várias alíneas de um modelo negativo de uma biblioteca. Portanto, «os catálogos devem estar divididos ao máximo», «os temas devem ser decididos pelo bibliotecário», «As cotas devem ser intranscrítiveis e de preferência em grande quantidade», «O espaço de tempo decorrido entre o pedido e a entrega do livro deve ser muito longo», «Não se deve dar mais um livro de cada vez», «A Biblioteca deve desencorajar a leitura cruzada de vários livros porque provoca estrabismo», «Deve existir, de preferência uma ausência de fotocopiadoras», «O bibliotecário deve considerar o leitor como um inimigo, um vadio (senão estaria a trabalhar), um ladrão potencial», «Quase todo o pessoal deve ser afectado por limitações de ordem física», «O departamento consultivo deve ser inatingível», «O empréstimo de livros deve ser impossível e, em todo o caso, levar meses (…) o melhor no entanto, é garantir a impossibilidade de conhecer aquilo que há nas outras bibliotecas», «Os furtos devem ser facílimos», «Os horários devem coincidir absolutamente com os horários de trabalho (…) o maior inimigo da biblioteca é o estudante-trabalhador», «Não devem ser possível restaurar as forças dentro da biblioteca», «Não deve ser possível voltar a encontrar o livro no dia seguinte», «Não deve ser possível saber quem levou emprestado o livro que falta», «De preferência, nada de sanitários». Por último, «O ideal seria que o utente não pudesse entrar na biblioteca; não deve ter acesso aos penetrais das estantes (contrariando, o princípio da Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, que não foi ainda assimilado pela sensibilidade colectiva)».


Eco afirma ter-se inspirado em bibliotecas reais para elaborar estas alíneas, contudo nem todas as bibliotecas têm má funcionamento. Dentro das que conhece, enuncia como exemplos positivos a Sterling Lybrary de Yale e a biblioteca da Universidade de Toronto. A Sterling Library é um mosteiro neogótico, mal iluminada, labiríntica, «o controlo à é feito à saída por um funcionário» que olha de forma rápida e distraída para uma pasta. Contudo, é um espaço onde «têm acesso estudantes e investigadores» a todos os documentos, tem «uma secção que troca as notas», um índice do «que se encontra nas outras bibliotecas da zona», «O bar, o espaço com as maquinetas que também aquecem salsichas», tornando-se convidativa à investigação. A biblioteca da Universidade de Toronto encontra-se num edifício de arquitectura contemporânea, «tudo iluminadíssimo», «salas com óptimos maples onde se senta a ler», consegue-se um cartão de circulação nos corredores de investigação mesmo telefonicamente, «há a magnetização total das lombadas dos livros», «em vez de salas de leitura existem boxes (…) onde guarda os seus livros e para onde vai trabalhar quando quer». Ambas as bibliotecas estão abertas até à meia-noite e ao domingo. Os inconvenientes são os roubos, os estragos e a «xerocivilização [que] implica desde logo a derrocada do conceito de direitos de autor». Se «fotocopiarmos o livro sozinhos ninguém nos diz nada». «Assim, e, através da xerocivilização, aproximamo-nos cada vez mais de um futuro em que os editores passarão a publicar exclusivamente para as bibliotecas, o que constitui um facto a considerar». «Mas o pior há de acontecer quando a civilização dos visores e das microfichas suplantar totalmente a do livro consultável».


Em suma, uma Biblioteca deverá ter como principal objectivo ser um espaço convidativo à permanência, à consulta, à leitura e à pesquisa no local. Deve ter equipamento e funcionários que tornem o seu funcionamento prático, funcional, ser capaz de resposta imediata e ter as condições necessárias para que se possa passar mais tempo no local, desde bar/snack, WC, fotocopiadoras disponíveis e equipamento de escritório. Deverá ser, portanto, possível transportar de uma zona para outra os documentos com que se está a trabalhar. Ter acesso à Internet sempre disponível. È agora indiscutível que esteja equipado com rede wireless. Deve ser uma zona iluminada, a “cheirar” a modernidade. Deverá estar aberta até tarde e todos os dias para que um individuo possa esclarecer as suas dúvidas e satisfazer o seu conhecimento no seu tempo livre. Diz Humberto Eco, que é necessário que a Biblioteca «se vá transformando gradualmente numa grande máquina de tempos livres, como é o Museum of Modern Art, onde se vai ao cinema, se passeia no jardim, se vêem as esculturas e se toma uma refeição completa.». «Ou seja, se a biblioteca é, como pretende Borges, um modelo do Universo, tentemos transformá-la num Universo à medida do Homem».


Transportando estes critérios de um modelo bom e mau de biblioteca para o meu universo. Vejo como mau, sem sombra de dúvidas, a Biblioteca Municipal de S.Lázaro, onde os funcionários, muitos deles a cheirar tanto a mofo como a biblioteca parecem que nos fazem um enormíssimo favor sempre que perguntamos alguma coisa, mas sempre distantes, altivos e desconfiados, como se fossemos roubar ou estragar alguma coisa. Nunca me consegui sentir bem naquele espaço atarracado a transpirar azedume, onde grande parte da documentação se encontra escondida e onde sempre negam o acesso ao Comum Mortal. Nesta Biblioteca, apesar de tudo, tenho que gabar a secção infantil que contraria em tudo as demais secções. Como modelo de uma boa biblioteca tenho a Biblioteca Almeida Garrett que me convida sistematicamente à sua visita. Quer seja pela sua construção envidraçada que convida o jardim a entrar biblioteca dentro, onde a luz ilumina o espaço já iluminado por si só. Tenho a gabar o equipamento, as iniciativas culturais, a variedade de suportes de informação e diversidade de assuntos. Tenho a criticar o encerramento ao domingo e a hora do fecho, que é às 17h30. Há também a carência de livros de design, seja ele de equipamento, gráfico, de moda ou de qualquer outro tipo. Mas essa carência, estupidamente, também acontece na biblioteca do Museu de Serralves, onde os dois livros que existem de design gráfico estão guardados por falta de procura.




Bárbara Veiga

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